quarta-feira, 11 de março de 2009

"As bancadas religiosas não são imbatíveis", diz diretor de pesquisa sobre homofobia


Em meados de abril do ano passado foi anunciada a iniciação de uma pesquisa inédita realizada pela Fundação Perseu Abramo (FPA) a respeito da homofobia em todo território nacional. Em fevereiro desse ano, o Brasil teve conhecimento dos resultados. A grande mídia alardeou em chamadas catastróficas que, segundo a pesquisa, "99% dos brasileiros são homofóbicos".

Para tirar a limpo tal impressão, entrevistamos Gustavo Venturi, coordenador da pesquisa e professor de Sociologia da USP (Universidade São Paulo). Questionado se vivemos em um país homofóbico, ele diz que há uma "taxa alta, mas minoritária de pessoas homofóbicas". Sobre o programa Brasil Sem Homofobia, concorda que foi um passo rumo ao progresso, porém, é necessário divulgá-lo mais. "Apenas 10% da população o conhece". Sobre as bancada religiosas, é enfático: "elas não são imbatíveis".

Podemos considerar o Brasil um país homofóbico?
Em certa medida o preconceito mostrou-se onipresente (99%), mas com algum predomínio do que classificamos como um preconceito leve (54%), seguido de uma parcela ainda considerável de preconceito mediano (39%) e apenas 6% portadores de um forte preconceito. Os 99%, portanto, não constituem uma medida direta da extensão de homofobia no país. É preciso distinguir os que apenas partilham crenças preconceituosas, como a ideia de que Deus fez homem e mulher para que procriem, dos que apoiam medidas discriminatórias, opondo-se por exemplo à união civil homessexual. Estamos trabalhando nessa análise e a hipótese é que encontraremos uma taxa alta, mas minoritária, de pessoas efetivamente homofóbicas.

72% diz não se importar em ter um colega de trabalho LGBT. Não é contraditório tal resultado comparado com os outros? Como entender tal sintoma?
A indiferença declarada é inversamente proporcional à proximidade, ao grau de contato: cai para cerca de 58% se soubessem que fariam um tratamento com um médico homossexual, ou ainda que o professor ou a professora de um filho pequeno é homossexual, e despenca para 13% caso um filho virasse gay ou uma filha lésbica.

Qual sua opinião a respeito da Frente Parlamentar LGBT? Ela tem sido útil?
Não acompanho de perto o trabalho dos congressistas e, de modo geral, a mídia dá pouco destaque à atuação da Frente. Mas certamente o fato de que o PLC 122/06 já tenha entrado no terceiro ano de tramitação sem que se saiba ainda se irá e quando à votação, não nos autoriza a debitar esse demora à Frente LGBT - a intolerância dentro do Congresso não há de ser menor que a que encontramos, Brasil afora, em qualquer parte.

A religião e o machismo, para você, são os principais entraves. Que caminho você aponta para que isso mude?
O movimento LGBT tem um papel central nesse processo. As mudanças na legislação são importantes mas só acontecerão sob pressão social. Vale a mesma lógica para as mudanças no plano da educação pública - a formação de professores preparados para lidar com conflitos de natureza homofóbica, a vigilância constante sobre material didático que não reflete a diversidade sexual -, o fim do atendimento discriminatório na saúde, ou ainda por parte das polícias etc., são áreas fundamentais de atuação para a mudança, a médio prazo, do cenário retratado pela pesquisa, e só ocorrerão a partir da sua difusão e expressão como demandas coletivas.

A semioticista Edith Modesto diz que "os pais não são educados para terem filhos gays". Você concorda? Por quê?
Não conheço o trabalho de Edith Modesto, mas o fato de 72% dos brasileiros afirmarem que não gostariam de ter filhos gay ou lésbica e mais 7% dizerem que os expulsariam de casa dá uma boa medida desse despreparo dos pais reais ou potenciais.

Como você avalia o programa Brasil Sem Homofobia?
Trata-se de uma iniciativa inédita no âmbito das políticas públicas - implementada no governo Lula pela Secretaria Especial de Direitos Humanos - que tem um fim bastante ambicioso, se considerarmos o retrato atual desse debate no Brasil. Mas era preciso começar e, como se diz, antes tarde do que mais tarde. Há muito a ser feito, inclusive a respeito da própria visibilidade do programa, conhecido por apenas 10% da população.

Qual a sua opinião a respeito das bancadas religiosas?
As bancadas religiosas, que são suprapartidárias, são poderosas não só por conta de sua representatividade no legislativo mas por sua capacidade de influência sobre os demais poderes, o executivo e o judiciário - ou, invertendo o raciocínio, porque estes são, muitas vezes, permeáveis aos lobbies dessas bancadas. E elas se mobilizam não só na resistência ao avanço do combate à homofobia no país, como em torno de outros fins retrógrados, como a manutenção da penalização criminal de mulheres que passam por abortamento provocado. Mas eventualmente também sofrem derrotas, a exemplo da liberação de pesquisas científicas com células tronco embrionárias pelo STF, em maio do ano passado - o que mostra que, embora fortes, as bancadas religiosas não são imbatíveis.

Ultimamente a mídia tem ajudado a diminuir o preconceito ou a reforçá-lo?
Isso é controverso. A meu ver o papel da mídia tem sido ambíguo - ora contribuindo para desconstruir o preconceito, como quando noticia casais homossexuais adotando crianças e constituindo famílias amorosas (a exemplo de uma reportagem recente no Fantástico da TV Globo), ora reforçando o preconceito, como nos programas semanais supostamente humorísticos - inclusive da própria Globo - em que estão sempre presentes personagens homossexuais esteriotipados.

Com uma sociedade tão homofobica em relação aos LGBTs, acredita na aprovação do PLC 122?
Como eu dizia, é tudo uma questão de jogo de forças - é preciso que o movimento LGBT, simpatizantes e todas as pessoas que querem uma sociedade brasileira justa, do ponto de vista da igualdade de direitos e oportunidades, se mobilizem para pressionar os atuais legisladores e, se o PLC 122 não for aprovado agora, que aumentem a mobilização em torno dessas causas nas próximas eleições gerais, em 2010, de modo a mudar a configuraçao dos congressistas.

A pesquisa revelou que 99% dos entrevistados têm preconceito com os LGBTs. No momento, temos 3 revistas em bancas voltadas à comunidade gay (Dom, Junior e Aimé), pacotes de viagens focado no público gay e grandes casas noturnas. Com essas duas disparidades, da pra ser otimista quanto ao futuro gay?
Como vimos, os 99% abarcam preconceituosos com diferentes intensidades, sendo bastante minoritário o grupo fortemente preconceituoso (6%). Não há dados de pesquisas anteriores equivalentes para avaliarmos se esse cenário é melhor ou pior que 10 ou 20 anos atrás. Pelo crescimento das publicações segmentadas, pela descoberta do poder aquisitivo dos grupos LGBT por parte de diferentes setores empresariais, pela força e disseminação das Paradas, minha hipótese é que a situação atual, embora ainda crítica, é melhor hoje do que já foi em qualquer momento anterior de nossa história. E, prevalecendo um ambiente democrático, é pouco provável que haja retrocessos importantes. A meu ver, embora o jogo de forças seja bruto, a tendência é favorável à conquista de novos direitos - um raciocínio que estendo a outros grupos social, econômica e culturalmente discriminados.

Falta vontade do Governo Federal e dos parlamentares em debaterem essa questão?
Nem o Governo Federal - que é um governo com ampla aliança partidária - nem o Congresso Nacional podem ser vistos como tendo homogeneidade em qualquer tema, menos ainda na questão do combate à homofobia que, como se sabe, por convicções religiosas gera divisão até mesmo dentro dos partidos de esquerda. Em vez de tratá-los como entidades unívocas, que não são, importa é identificar quem no governo, no Congresso e nos partidos é a favor, quem é contra as causas do movimento LGBT, e sobretudo quem ainda não é a favor mas é sensível a elas e suscetível à cooptação.

Vivemos um Estado laico?
Constitucionalmente sim, mas os lobbies religiosos buscam continuamente reverter, na prática, essa conquista.

As Paradas Gays ainda podem ser consideradas instrumentos de luta? Ou já foram superadas?
Não creio que o papel das Paradas esteja esgotado. A agitação das bandeiras do movimento, maximizada quando as Paradas ganham espaço na mídia corporativa, o tema da visibilidade das comunidades LGBT e seu provável impacto na delicada decisão de cada um em sair ou não do armário, sugerem que as Paradas ainda têm um papel político importante a cumprir. Ou será que as comunidades LGBT no Brasil se resumem aos 4% que assumiram na pesquisa sua orientação homo ou bissexual, e/ou alguma identidade de gênero LGBT? Não creio.

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